sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Aquela de Óculos



Joe vinha sentindo dores fortíssimas pelo corpo ultimamente. Gripe, Zica, Dengue, depressão, reumatismo, virose… Nada! Nenhum doutor conseguia diagnosticar a doença de Joe, que já o consumia tanto que ia até o ponto onde começava seu espírito. Na verdade ele mesmo desconfiava o que era. A doença era a exteriorização, a fuga, de sua alma cansada, procurando o silêncio de um lugar calmo e escuro.
Somos nada mais que cheiros, espaços e fluidos. Onde estamos quando algo começa a doer? Não interessa. Não queremos saber. Tudo o que importa é encontrar algo que cure essa dor. O remédio correto. Queremos entrar numa letargia. Sem interessar por onde vagamos, queremos apenas refúgio.
Dia após dia a monotonia das horas era a única companhia de Joe. Glóbulos brancos, bacilos, Complexos de Golgi, todos entorpecendo sua vontade. Ele não era mais do que um poço obscuro habitado por vasos, vírus e bactérias. A alma fragmentou-se no caminho. Como um espelho quebrado. Sete anos de azar.
Então entre uma consulta e outra ele a viu. Uma pessoa comum, com um rosto comum, mas que fez seu rosto ficar com cara de tudo junto, inclusive ficar sem-graça. Ela tinha cabelos castanhos, no ombro. Usava óculos. Uma armação grossa, escura. O sorriso mais cativante que ele já tinha visto. Ele a imaginou de todas as maneiras em sua mente, tentando fazê-la desinteressante aos seus olhos. Com diversos tipos de cortes, cores e tamanhos de cabelos. Olhos verdes, azuis, amarelos, olhos de vidro, óculos. Dentadura, aparelho, bangela. Com roupa, sem roupa. Gorda, magra. Ela, somente ela. De todas as formas que ele a imaginava, não conseguia fazê-la sem-graça. Começava a suar apenas em imaginar falar com ela. Sem saber que suor nada mais é do que um soro fisiológico.
Passaram-se vários dias e ele nunca falou com ela, embora ele já se sentisse melhor e ia à clínica apenas para vê-la. Até que ela não mais aparecia. Passaram-se mais outros vários dias e nada de sua desconhecida amada. Então ele resolveu finalmente perguntar a alguém:

  • “Por favor, o que aconteceu com aquela moça que estava sempre por aqui, sempre de bom-humor e sorrindo para todos?”
  • “É aquela de óculos?” - Respondeu a atendente da clínica. - “Faleceu…”

2 comentários:

  1. Que conto forte e ao mesmo tempo delicado. O final é triste, poderia ter sido "felizes para sempre!" Mas vindo de você, esse é o desfecho ideal mesmo.

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    1. É porque é Filme de Arte Europeu... Se fosse americano seria desfecho Disney =D

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